O jovem Denis Navarro chega a clínica do governo pedindo para ser internado
O primeiro dia da parceria entre
o Governo e a Justiça do Estado de São Paulo para internar usuários de
crack à força foi marcado pela falta de informações e por protestos na
clínica destinada a receber os viciados e seus familiares, no centro da
capital paulista.
Durante as quatro horas de plantão jurídico no
Cratod (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas), nenhum
dependente de drogas foi internado contra sua vontade, por ordem da
Justiça.
"Falta muita informação, está todo
mundo perdido e ninguém sabe o que é para fazer", disse o juiz Iasin
Issa Ahmed, um dos dois magistrados responsáveis decidir sobre a
internação dos usuários de drogas.
Segundo ele, a principal causa da confusão
ocorrida na manhã desta segunda-feira foi a forma como a parceria foi
apresentada pelo Estado à população.
"(Ao falar) que é (tratamento) compulsório, você
espanta boa parte dos usuários que não vão aparecer aqui na porta com
medo de serem amarrados para serem tratados", disse Ahmed.
Segundo o governo, serão internados
compulsoriamente apenas os casos muito graves, considerados de exceção –
como por exemplo viciados que já tentaram cometer suicídio ou sofrem de
doenças psiquiátricas.
Dependentes químicos que procurarem atendimento
voluntariamente devem receber tratamento ambulatorial e ajuda de
assistentes sociais.
Protestos
Um grupo de cerca de cem ativistas protestou com
cartazes e tambores em frente ao Cratod contra as internações forçadas.
Membros mais exaltados tentaram até dissuadir uma mulher que procurou
ajuda para internar um parente.
Eles defendiam que, em vez de se focar em
internações à força, o governo concentre seus recursos em ampliar a rede
de atendimento regular e ambulatorial a dependentes químicos –
especialmente com a melhora do atendimento noturno.
“É a mesma coisa que você ir para o hospital e
dizerem: ‘o teu estado é grave, mas vamos esperar ficar desesperador, aí
alguém te traz aqui e a gente te interna na UTI’. Aqui (o Cratod) é a
UTI”, disse o padre Júlio Lancellotti, que defende moradores de rua e a
população excluída de São Paulo.
Padre Julio Lancellotti (à dir) fala com ativistas em frente ao Cratod no centro de São Paulo
Lancellotti afirmou também que ativistas de
direitos humanos estão insatisfeitos com a falta de informações sobre
como serão feitas na prática as internações à força.
"O pessoal (dependentes químicos que frequentam a
Cracolândia) está com medo, estão assustados. Não adianta dizer que a
polícia não vai, eles têm que ver e sentir isso", afirmou.
O governo afirmou que as abordagens de usuários
serão feita por assistentes sociais e agentes de saúde, por meio do
convencimento e sem a presença da Polícia Militar.
Segundo o desembargador Antônio Carlos
Malheiros, do Tribunal de Justiça, se esses agentes verificarem que o
viciado corre algum risco e não conseguirem convencê-lo a ir
voluntariamente ao Cratod, poderão pedir ajuda ao Corpo de Bombeiros.
Os bombeiros, que são subordinados à Polícia
Militar, poderão, em tese, levar o usuário de drogas à força para
tratamento. Ele deixou claro, porém, que esses serão casos de exceção.
Internação voluntária
A falta de informações e a presença de ativistas
no Cratod não impediu a autônoma Ana Paula Mira, de 33 anos, de
procurar ajuda para seu pai.
Ao receber a informação de que o novo mecanismo
de internação do governo entraria em funcionamento nesta segunda-feira,
ela foi procurar seu pai nas ruas da cidade.
Ronaldo Rocha Mira deixou a família há dois anos
devido à dependência do crack e se tornou morador de rua. Desde então
tem evitado as tentativas da família de interná-lo.
"Eu achei ele e disse que o levaria para um
médico, não por causa do crack. Levei ele para tomar café da manhã e
coloquei um calmante no suco. Se ele acordasse ficaria agressivo",
disse. Ela então colocou o pai no carro com ajuda de parentes e dirigiu
até o Cratod.
Ela foi a primeira pessoa a buscar ajuda na
unidade. Contudo, segundo autoridades, o caso de Ronaldo foi entendido
como internação involuntária (não compulsória) e não precisou da
intervenção dos juízes de plantão.
Além do caso dela, a equipe do Cratod atendeu
alguns casos de mulheres que buscavam ajuda para internar filhos e
parentes. Entre elas estava Vera Augusta Nascimento.
"Meu filho começou a usar drogas aos 18 anos.
Hoje ele tem 27 e me ameaça. Não aguento mais morar com ele porque tenho
medo que ele apareça com um revólver e atire em mim. Vim aqui para
pedir que ele seja internado", disse ela.
Houve ainda dependentes químicos que buscaram
ajuda voluntariamente. Foi o caso de Denis dos Santos Navarro, de 18
anos, que já passou pela Fundação Casa (que abriga menores infratores
que cumprem medidas socioeducativas) e hoje vive na Cracolândia.
Ele chegou ao Cratod no início da tarde de
segunda-feira com uma mala contendo todos os seus pertences pedindo para
ser internado. "Quero mudar de vez. As pessoas dizem que sou louco por
fazer isso, mas louco é quem está na Cracolândia", disse.
Do http://www.bbc.co.uk
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